LIDERANÇA A SUBSTITUIÇÃO DE LÍDERES INTRUSIVOS POR LÍDERES PARTICIPATIVOS
Muitos acontecimentos recentes alteraram de forma substancial o papel da liderança. Antes vista – em muitos casos – como uma ação operacional ou, em ambientes mais avançados em termos de clima organizacional, como uma inspiração, a liderança migrou rapidamente para novos cenários de grande desafio, como teremos ocasião de abordar na sequência deste artigo.
Dentre os mencionados acontecimentos recentes, quero citar dois em particular: a pandemia, que mudou profundamente as relações de trabalho e desencadeou com força o home office e o crescimento da chamada gig economy, em que, cada vez mais, as empresas contratam profissionais especializados para tarefas específicas e em período pré-determinados. É inegável dizer que esses dois fatores – ao lado de vários outros que poderiam ser citados, impactaram claramente a maneira como a liderança precisa agir para manter sua eficácia.
1 – O paradigma clássico do “chefe”
É de conhecimento de cada um dos leitores um papel clássico (e paradigmático) da liderança: o papel do “chefe”. Trata-se de alguém designado essencialmente para fazer o micromanagement, ou seja, interferir passo a passo nas tarefas da equipe, a cada etapa, dentro de uma lógica de controle. Esse papel acabou por ser muito mais exposto no home office, demonstrando características até então não tão explícitas.
No Brasil, o “chefe” ainda está muito presente, não sendo raros os casos de interferência indevida até mesmo em áreas que nada tem a ver com a atuação profissional do liderado. Mas, mesmo considerando as carências de mão-de-obra e a falta de qualificação existentes no mercado de trabalho nacional, seria esse um papel relevante e efetivamente necessário nas empresas?
2 – Liderança intrusiva
Esse papel de “chefia”, tal como o conhecemos é conhecido na literatura administrativa como Liderança intrusiva.
A liderança intrusiva ocorre quando o gestor ultrapassa os limites profissionais e pessoais dos colaboradores, buscando excessivamente detalhes da vida pessoal ou forçando a equipe a trabalhar além das horas normais, o que pode aumentar o estresse e diminuir o bem-estar. Um estudo recente de pesquisadores da Universita Cattolica del Sacro Cuore mostrou que esse estilo de liderança, especialmente em ambientes de teletrabalho, agrava problemas de saúde mental como ansiedade e depressão, além de prejudicar a satisfação e a produtividade dos funcionários. Esses líderes tendem a misturar as fronteiras entre vida pessoal e profissional, gerando um ambiente tóxico.
É importante não confundir a liderança intrusiva com a liderança operacional, que por sua própria natureza, é participativa no dia a dia das atividades, sendo comum em processos de produção industrial, cadeias logísticas, construção civil, etc. Ser um líder operacional não é, em hipótese alguma, ser um líder intrusivo, havendo um limite claro entre a intervenção profissional e a intromissão pessoal.
3 – Consequências negativas da liderança intrusiva
Aqui estão cinco problemas ou consequências negativas da liderança intrusiva:
A – Aumento dos níveis de estresse e burnout: Líderes que invadem constantemente o espaço pessoal ou exigem que os colaboradores trabalhem além do horário normal podem gerar estresse elevado e até burnout. A falta de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é uma das principais causas de esgotamento mental e físico entre os colaboradores
B – Redução da autonomia e criatividade: A liderança intrusiva mina a autonomia dos funcionários, fazendo com que eles se sintam controlados o tempo todo. Isso inibe a criatividade, pois os colaboradores passam a seguir ordens ao invés de pensar em soluções inovadoras, prejudicando o desempenho e o desenvolvimento de novas ideias.
C – Diminuição do bem-estar mental: Estudos mostram que a liderança intrusiva pode agravar problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. A constante interferência dos líderes em aspectos pessoais e profissionais aumenta o sentimento de invasão e diminui a satisfação geral no trabalho.
D – Desmotivação e queda na produtividade: Quando os funcionários se sentem vigiados ou excessivamente controlados, sua motivação pode despencar, resultando em uma significativa queda na produtividade. Eles podem se sentir menos comprometidos com o trabalho, já que perdem a confiança de que suas capacidades estão sendo reconhecidas
E – Deterioração das relações de confiança: A liderança intrusiva pode quebrar a confiança entre líderes e colaboradores. A sensação de que os líderes estão ultrapassando limites e invadindo a privacidade pessoal gera desconfiança, criando um ambiente de trabalho tóxico e menos colaborativo.
4 – Substituição da Liderança Intrusiva pela Liderança Participativa
4.1 – O que é Liderança Participativa?
A liderança participativa é um estilo de liderança no qual o líder envolve ativamente os membros da equipe no processo de tomada de decisão. Essa abordagem promove um ambiente onde o diálogo, a colaboração e a troca de ideias são incentivados, criando um espaço onde os funcionários sentem que suas opiniões são valorizadas. A principal característica da liderança participativa é a inclusão e a confiança no julgamento dos colaboradores, o que pode aumentar o engajamento e a satisfação no trabalho.
Segundo Peter Drucker, esse estilo de liderança permite que as organizações se beneficiem da diversidade de pensamentos e experiências dentro da equipe, levando a decisões mais bem fundamentadas e à criação de uma cultura de inovação. O líder, em vez de impor decisões de cima para baixo, atua como facilitador, garantindo que os membros da equipe participem do processo decisório.
Outro defensor desse estilo é Daniel Goleman, que em seu livro Liderança: A Inteligência Emocional na Formação do Líder de Sucesso, menciona que a liderança participativa tem um impacto positivo no clima organizacional, pois promove a confiança e o respeito mútuo. No entanto, ele também alerta que esse estilo pode ser ineficiente em situações de crise, onde decisões rápidas e centralizadas são necessárias.
De acordo com a Harvard Business Review, o estilo participativo aumenta o comprometimento e a responsabilidade dos colaboradores, pois eles se sentem parte integral das decisões que afetam o futuro da organização. No entanto, é importante que o líder saiba equilibrar a participação da equipe com a necessidade de direção e clareza para evitar decisões demoradas ou a falta de consenso em momentos críticos.
4.2 – 5 vantagens práticas da Liderança Participativa
A – Aumento do bem-estar e satisfação no trabalho: Ao envolver os membros da equipe no processo de tomada de decisões, a liderança participativa promove um ambiente de trabalho mais positivo e colaborativo. Isso gera um maior senso de pertencimento e valor, contribuindo para o bem-estar emocional e mental dos colaboradores. Quando os funcionários sentem que suas vozes são ouvidas, isso fortalece a confiança e a satisfação no trabalho, como mencionado por Daniel Goleman em seu estudo sobre inteligência emocional no local de trabalho.
B – Melhoria na criatividade e inovação: A liderança participativa incentiva a troca de ideias e a colaboração, o que, por sua vez, estimula a criatividade entre os membros da equipe. Ao ouvir diferentes perspectivas e aproveitar a diversidade de pensamentos, as soluções inovadoras têm mais chances de emergir. Peter Drucker reforça que essa diversidade de pensamento é essencial para encontrar soluções criativas para problemas complexos.
C – Maior comprometimento e responsabilidade: Quando os funcionários participam ativamente das decisões que afetam seu trabalho, eles se sentem mais comprometidos com os resultados. Isso também gera um maior senso de responsabilidade, pois os colaboradores entendem o impacto de suas contribuições. Como destacado pela Harvard Business Review, esse envolvimento aumenta a lealdade e o engajamento da equipe.
D – Produtividade aprimorada: Ao promover um ambiente onde todos têm voz e são parte do processo decisório, a liderança participativa pode aumentar a produtividade. Quando os funcionários se sentem valorizados e envolvidos, eles tendem a ser mais proativos e focados em alcançar os objetivos da equipe. O ambiente de confiança e respeito gerado por esse estilo de liderança resulta em um trabalho mais eficiente e com menos resistência a mudanças.
E – Fortalecimento das relações e do trabalho em equipe: A colaboração e o envolvimento nas decisões aumentam a coesão do grupo e melhoram as relações entre os membros da equipe e os líderes. Esse fortalecimento das relações é benéfico tanto para o clima organizacional quanto para a produtividade. A confiança construída nesse ambiente promove uma cultura de apoio mútuo, facilitando a resolução de conflitos e o trabalho colaborativo.
5 – Como converter líderes intrusivos em líderes participativos?
Converter líderes intrusivos em líderes participativos é um processo que exige mudança de mentalidade e comportamento. Enquanto os líderes intrusivos tendem a controlar excessivamente suas equipes, invadindo sua autonomia e vida pessoal, os líderes participativos focam em compartilhar decisões e confiar em seus colaboradores. A transição entre esses estilos de liderança pode ser desafiadora, pois nem todos os líderes estão dispostos ou prontos para abrir mão de práticas controladoras. No entanto, com orientação adequada e uma cultura de apoio, muitos líderes podem ser transformados.
Aqui estão algumas estratégias para essa conversão:
5.1 – Desenvolver a autoconsciência e a empatia: O primeiro passo é ajudar o líder a entender o impacto negativo de seu comportamento intrusivo. Treinamentos focados em inteligência emocional, como os discutidos por Daniel Goleman, podem ser eficazes para aumentar a empatia e a autoconsciência. Através dessa prática, os líderes podem começar a reconhecer como suas ações afetam o bem-estar e a produtividade da equipe.
5.2 – Promover a confiança e a delegação de tarefas: Líderes intrusivos muitas vezes têm dificuldade em confiar nos membros da equipe para executar suas responsabilidades de forma independente. Uma maneira de mudar isso é incentivar a delegação progressiva de tarefas, permitindo que o líder veja o valor da autonomia. A prática de coaching e feedback regular pode ser uma ferramenta útil para apoiar essa transição.
5.3 – Incentivar a inclusão no processo de tomada de decisão: Para converter um líder intrusivo em participativo, é importante integrar a equipe nas decisões. O líder deve ser encorajado a ouvir ativamente as opiniões de seus colaboradores e a tomar decisões com base em um consenso. Como apontado por Peter Drucker, envolver as pessoas no processo decisório gera mais comprometimento e responsabilidade.
5.4 – Reconhecer que nem todos os líderes farão a transição: Apesar dos esforços, nem todos os líderes conseguirão ou estarão dispostos a adotar um estilo mais participativo. Alguns podem se apegar ao controle e à intrusão por medo de perder poder ou devido à falta de confiança em suas equipes. É importante reconhecer esses casos e avaliar se a mudança de estilo é viável ou se uma reestruturação pode ser necessária.
Conclusão
A migração de líderes intrusivos em líderes participativos é um desafio válido e necessário em muitas organizações. Embora a mudança de comportamento possa ser complexa e, em alguns casos, encontrar resistência, os benefícios a longo prazo tanto para a empresa quanto para as equipes são evidentes. Ao adotar um estilo de liderança mais colaborativo, as empresas experimentam um aumento na produtividade, no bem-estar dos funcionários e em sua capacidade de inovação. Além disso, o ambiente de trabalho se torna mais saudável e motivador, o que contribui para a retenção de talentos e uma cultura organizacional mais positiva.
Como afirma Simon Sinek, “os grandes líderes não são aqueles que têm o poder, mas aqueles que inspiram os outros a seguir um propósito maior”. Essa citação resume a essência da liderança participativa: é preciso confiar e envolver os colaboradores para criar um ambiente onde todos se sintam valorizados e motivados a contribuir para o sucesso coletivo. A transformação pode não ser imediata, mas o impacto positivo de uma liderança mais aberta e empática se refletirá em todos os aspectos da organização, desde os resultados financeiros até a satisfação dos colaboradores.
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